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sábado, 26 de março de 2016

Oi, olha o trem!



Quem não se lembra dos filmes de faroeste em que o bandido amarra o mocinho nos trilhos de trem e desaparece com o saco de dinheiro, crendo que o trem o esmagará. Em seguida, o mocinho se desamarra, consegue escapar enquanto o trem passa buzinando em alta velocidade.
            Ou então, quem nunca viu aqueles desenhos animados, na TV ou no gibi, em que um personagem é amarrado nos trilhos e se desamarra como num passe de mágica enquanto o trem passa rapidamente.
            São muitas histórias de trens.
            Quem nunca ouviu falar do Profeta João de Maria? Esse homem era um líder religioso, odiado por fazendeiros capitalistas e amado pelos pequenos agricultores que moravam em comunidades de faxinais.
            Contam os mais velhos que o Profeta João de Maria disse no início do ano 1900, aqui no Paraná, próximo a Curitiba:
            - Um dia, lá da capital, virá um boi, soltando fumaça pelas ventas e gritando pelos chifres; na terra que esse boi por os pés, nada mais nascerá; entrará na casa dos lavradores e derrubará; quando o boi vier, quem ficar na frente morrerá; o boi terá asas e quando chacoalhar derrubará todas as arvores a sua direita e a sua esquerda, por onde passar;
            Esse boi era o trem. Suas asas foi o acordo feito entre o governo do Paraná e uma empresa estrangeira, a qual permitiu a exploração de toda madeira, quilômetros em volta da linha do trem, os pés do boi.
            A população de Curitiba não tem a mesma sorte que os personagens da ficção e até são castigados com sofrimentos cruéis causados por atropelamentos, amputação de membros e mortes, em homens, mulheres e crianças. O número de acidentes causados por trens é assustador. Várias pessoas já morreram e outros tantos ficaram com seqüelas. Crianças perderam pernas e braços tentando atravessar trilhos no meio da movimentação de trens. Esse boi existe em Curitiba e continua dando lucro para alguns, dores e sofrimentos para outros.
            Para cada acidente uma versão diferente. Se não fosse um caso sério seria cômico.
            Setembro de 2001, o Grito dos Excluídos apresentou um menino, no colo da mãe, sem uma das pernas que foi cortada pelo trem quando atravessava a estrada de ferro.
Final de 2001, um Senhor desceu dum carro agradeceu a carona e foi pego pela carruagem de ferro. Segundo o maquinista, única testemunha, o homem não ouviu o apito do trem.
            Em agosto de 2002, dois acidentes com morte. Num deles um homem, dizem que era surdo, caminhava pela beira dos trilhos, não ouviu o apito do trem e a locomotiva o pegou.
            Não é de hoje que isso acontece em Curitiba. Por alguns anos houve uma trégua. De alguns anos pra cá, o trem que traz progresso também trouxe mortes e outras conseqüências para Capital.
            Tem famílias em Curitiba que foram afetadas por uma explosão de dinamites e a três gerações nascem pessoas surdas. Um dos familiares sobreviveu a uma explosão de um vagão carregado de dinamite, exatamente onde hoje é a rodoferroviária. Foi uma explosão tão forte que atingiu os alicerces de onde hoje é a Câmara de Vereadores, em frente a Praça Eufrásio Correia.
            Se você for visitar a comunidade Pantanal, região sul de Curitiba vai pensar que está num cenário de filme de ficção. De um lado um gigantesco campo de máquinas e de outro a comunidade. Os moradores precisam driblar os trens para ir trabalhar e as crianças que todos os dias precisam estudar são as que mais sofrem acidentes.
            Estes aspectos do passado bem distante, alinhados aos do presente, demonstra que uma coisa não evolui na cidade de Curitiba: O modo de comercializar a produção. Ora o caminhão, ora o trem.
Passados uma centena de anos, a profecia de João de Maria pode se cumprir pela segunda vez na região de Curitiba, nestas bandas do Estado do Paraná. Agricultores de Campo Largo, Campo Magro, Almirante Tamandaré e Araucária terão partes de sua pequena propriedade engolidos pelo “boi” de ferro. O “boi” que retorna com a mesma fome e mais disposto à barbáries. E o governo, de novo, solta o boi rumo as mesmas terras.
Enquanto isso, a condição de vida dos operários e moradores sempre foi tristemente comparada a um antigo provérbio: sai da frente que o trem vem vindo!



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