Total de visualizações de página

sexta-feira, 4 de março de 2016

A pequena Beta



Caminhava em Curitiba pela avenida Joao Bettega no Bairro Portão e cheguei na Pracinha da Santa. Parei para contemplar um grupo de senhoras que rezava um terço. Na verdade, vos digo, eram onze senhoras e um senhor.
Eis que subitamente sou abordado por uma pequena formiga.
É isso que dá, sair por ai contemplando costumes do nosso povo, fotografando cenas da tradição oral que não saem da nossa cabeça e compreendendo as narrativas enraizadas em nossa alma. Acabamos aprendendo falar com formigas, ler pensamentos de beija-flor, desvendar mistérios de um boi e até dar bom dia aos cavalos.
Mas não era uma simples formiga. Após breve entendimento, ela confessa que é descendente do formigueiro de Patativa em Assaré no Ceará. Seus ancestrais são daquela colônia que se uniu e  botou pra correr o brutamonte boi zebu, ou seja, é uma formiga que se alimenta de histórias vencedoras e de projetos coletivos.
Só pra ilustrar a história dessa formiguinha, um boi é como o diretor de uma organização da sociedade e as formigas os funcionários ou os operários de uma fábrica. O diretor manda e desmanda, usa e abusa do poder e os funcionários e operários obedecem e não questionam. Essa é a lógica do costume oral, da tradição e das narrativas históricas.
O boi e o diretor são um, as formigas, os operários e os funcionários são muitos. Tudo funcionaria redondinho se o que as formigas fizessem o boi não desmanchasse, ou se o que os funcionários e operários construíssem os diretores não acumulassem.
A formiguinha me interpelou, dialogamos e fiquei consciente da necessidade de mudar de opinião quando é preciso, e conclui o que Luiz Gonzaga tinha cantado muitas décadas atrás:
- Cabeça grande é sinal de inteligência, agradeço a providencia ter nascido lá...
Pra reafirmar a tradição argumentei à formiguinha com um antigo ditado: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Porque fui dizer isso! A formiga ficou por demais zangada.
Desse momento em diante foi uma ladainha de ideias, teorias reparatórias, utopias libertadoras e concretizáveis.
Eita formiguinha porreta. Aprendi muito com ela, mas ela saiu sem despedir. Quando dei conta já tinha ído. Continuei passando ali todos os dias e de tanto contemplar o terço, esperando revê-la, aprendi a rezar. Mas é assim mesmo, a formiga é dinâmica e quando damos por conta já está em outra aventura.
Então acionei minha intuição na esperança de reencontrá-la. Quem consegue se entender com beija-flor é óbvio que vai entender isso. Aventurei-me por associações, entidades e organizações inusitadas, mudei de bairro, fui morar numa cidade tão pequena que até o vento conhece a gente pelo nome. Conheci muitos outros tipos de colônias e nada de reencontra-la.
Então resolvi escrever um bilhete com uma poesia, colocar numa garrafa e jogar no rio da vida, porque sei que a poesia nunca para e no dia de lançar a garrafa no rio, a vida à trouxe para resolver um enigma. Um duvida que, de tão grande, é capaz de causar dependência da losartana.
Finalmente perguntei-lhe:
- Qual é seu nome?
-Meu nome é Beta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigado por participar deste projeto!