Caminhava em Curitiba pela avenida
Joao Bettega no Bairro Portão e cheguei na Pracinha da Santa. Parei para
contemplar um grupo de senhoras que rezava um terço. Na verdade, vos digo, eram
onze senhoras e um senhor.
Eis que subitamente sou abordado
por uma pequena formiga.
É isso que dá, sair por ai
contemplando costumes do nosso povo, fotografando cenas da tradição oral que não saem da
nossa cabeça e compreendendo as narrativas enraizadas em nossa alma. Acabamos aprendendo falar com
formigas, ler pensamentos de beija-flor, desvendar mistérios de um boi e até
dar bom dia aos cavalos.
Mas não era uma simples formiga. Após
breve entendimento, ela confessa que é descendente do formigueiro de
Patativa em Assaré no Ceará. Seus ancestrais são daquela colônia que se uniu e botou pra correr o brutamonte boi zebu, ou seja, é uma formiga que se alimenta de histórias vencedoras e de projetos coletivos.
Só pra ilustrar a história dessa
formiguinha, um boi é como o diretor de uma organização da sociedade e as
formigas os funcionários ou os operários de uma fábrica. O
diretor manda e desmanda, usa e abusa do poder e os funcionários e operários
obedecem e não questionam. Essa é a lógica do costume oral, da tradição e das narrativas históricas.
O boi e o diretor são um, as
formigas, os operários e os funcionários são muitos. Tudo funcionaria redondinho
se o que as formigas fizessem o boi não desmanchasse, ou se o que os
funcionários e operários construíssem os diretores não acumulassem.
A formiguinha me
interpelou, dialogamos e fiquei consciente da necessidade de mudar de opinião quando é preciso, e conclui o que Luiz Gonzaga tinha cantado muitas décadas atrás:
- Cabeça grande é sinal de
inteligência, agradeço a providencia ter nascido lá...
Pra reafirmar a tradição
argumentei à formiguinha com um antigo ditado: manda quem pode, obedece quem
tem juízo. Porque fui dizer isso! A formiga ficou por demais zangada.
Desse momento em diante foi uma
ladainha de ideias, teorias reparatórias, utopias libertadoras e concretizáveis.
Eita formiguinha porreta. Aprendi
muito com ela, mas ela saiu sem despedir. Quando dei conta já tinha ído.
Continuei passando ali todos os dias e de tanto contemplar o terço, esperando revê-la, aprendi a
rezar. Mas é assim mesmo, a formiga é dinâmica e quando
damos por conta já está em outra aventura.
Então acionei minha intuição na esperança de
reencontrá-la. Quem consegue se entender com beija-flor é óbvio que vai entender
isso. Aventurei-me por associações, entidades e organizações inusitadas, mudei
de bairro, fui morar numa cidade tão pequena que até o vento conhece a gente
pelo nome. Conheci muitos outros tipos de colônias e nada de reencontra-la.
Então resolvi escrever um bilhete
com uma poesia, colocar numa garrafa e jogar no rio da vida, porque sei que a
poesia nunca para e no dia de lançar a garrafa no rio, a vida à trouxe para resolver um enigma. Um duvida que, de tão grande, é capaz de causar dependência da
losartana.
Finalmente perguntei-lhe:
- Qual é seu nome?
-Meu nome é Beta.
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