Terça-feira,
02 de maio de 2000. Oito horas e trinta minutos da manhã.
Toca o
telefone, eu atendo.
Quem
liga é um amigo, parceiro das lutas sociais nos movimentos populares de
Curitiba.
- Bom
dia Zequinha, tudo bem?
Ele
sempre me chamou pelo apelido.
- Bom
dia, como está?
- Estou
bem, mas triste e é por isso que estou ligando pra você.
Perguntei
a ele:
- Que
houve meu amigo?
- Cara,
aconteceu uma tragédia. A Polícia Militar interceptou vários ônibus do MST
agora pouco e houve confronto. Tem muita gente ferida e fala-se em mortos.
Perguntei:
- Mas
onde aconteceu isso?
- Na
verdade está acontecendo. É entre Campo Largo e Curitiba, perto de Balsa Nova,
na BR 277.
Eu repliquei:
- Nossa
Senhora! Os sem-terra estavam vindo pra Curitiba?
- Sim.
Iam protestar frente ao Incra, pedir mais empenho do governo com a
reforma agrária.
- E
agora?
- Olha,
parte dos trabalhadores estão fugindo pelo mato em direção de Balsa Nova onde
tem um acampamento. Tem muitos feridos e precisam de remédios, comida e roupa.
- Sei!
-
Precisamos de alguém pra ir lá. Só que a polícia está bloqueando toda a região
e vai impedir a chegada de carro até eles.
-
Certo!
Meu
amigo perguntou.
- Você arrisca ir até lá?
Respondi.
- Na verdade
eu tenho medo dessa polícia, ela é muito violenta, mas se têm feridos e
esfomeados vou me arriscar. Não sei onde fica esse acampamento de Balsa Nova,
preciso de um mapinha pra não me perder.
- Olha
Zequinha! Tem várias pessoas dispostas a fazer doação, vou pedir que levem essas coisas em três lugares pra você vir pegá-las.
- Onde
serão esses lugares?
- Na
casa das irmãs perto do terminal Sitio Cercado, na Paróquia do Alto Boqueirão e
na Associação de Moradores do Xapinhal. Mas, não podemos
demorar! Tudo bem?
- Está
certo. Vou arrecadar algumas coisas com algumas famílias da Associação de
Moradores Profeta Elias da Vila Lindóia, falar com amigos luteranos que também
ajudam e abastecer a Kombi. Prepare um mapinha e já passo ai pra buscar as
doações.
Liguei
a TV, passava flashs ao vivo da ação policial. A cena era horrorosa. Pelas imagens dava pra perceber o ódio introjetado nos policiais. A brutalidade proposital, planejada, munição de grosso calibre, bombas sendo lançadas e uma evidente e intrigante emboscada. Uma prática covarde da segurança pública paranaense.
O governo do Estado, comandado por Jaime Lerner preferiu entrar pra história como um governo que prefere a força policial ao invés do diálogo. É um erro pensar assim, porque essa atitude nunca resolve, pelo contrário, aumenta os conflitos agrários.
O governo do Estado, comandado por Jaime Lerner preferiu entrar pra história como um governo que prefere a força policial ao invés do diálogo. É um erro pensar assim, porque essa atitude nunca resolve, pelo contrário, aumenta os conflitos agrários.
No
rádio um locutor anunciava que todos os acessos ao acampamento de Balsa Nova,
onde todos já sabiam que muitos sem-terra fugiram, estavam bloqueados
pela polícia. Nem mesmo moradores da região, maioria pequenos proprietários
podiam transitar livremente naquela manhã. Nas rádios pedia-se que não saíssem de casa para
não serem confundidos com sem-terra. Eu senti medo, deu vontade de desistir da
missão, mas não devia. A ideia de pessoas feridas e com fome me deixou emocionado
e deveria ir o mais rápido possível.
Passei
nos lugares combinado, acomodei as doações no bagageiro e na carroceria da
Kombi, cobri bem coberto, mas deixei fácil de retirar a lona que cobria, pois tinha
certeza que seria revistado muitas vezes por policiais. Em pouco tempo apareceu
muitos donativos. A Kombi estava bem cuidada, pronta pra viagem e embora fosse mais ou menos duas horas até o acampamento, calculei mais uma hora de embaraços. Peguei o mapinha rabiscado,
memorizei e joguei fora. Não queria que a polícia apanhasse esse mapinha no bolso
no momento da revista. Recolhi mais algumas informações e parti rumo ao
acampamento que não conhecia na região de Balsa Nova.
Muito
movimento na estrada. A medida que se aproximava de Balsa Nova encontrava mais
e mais viaturas policiais. Um helicóptero sobrevoava a região. Finalmente sai
do asfalto e cheguei na estrada de chão...
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