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sábado, 23 de abril de 2016

Eis questão!



 O que é certo dizer?
É melhor roubar e não passar fome ou passar fome e não roubar? Certamente o Chicó, personagem de Selton Mello, do filme O Auto da Compadecida, diria que depende do tamanho da fome e da grandeza do roubo, enquanto o Padre João, personagem de Rogério Cardoso no mesmo filme, diria que tudo que acontece conosco é da vontade de Deus, inclusive a fome; temos que aceitar as coisas como Deus manda e nunca se rebelar contra suas ordens.
                Em Curitiba, a cada dia essa discussão ganha corpo. E não é nas academias ou nas rodas de nobres, é no cotidiano, no vai e vem das pessoas e no contraste entre as lutas de muitos pela sobrevivência e os esquemas de poucos pela manutenção de privilégios.
                Ainda ontem uma mulher de trinta e seis anos de idade, “furou o tubo” entrando pela porta traseira do ônibus biarticulado Circular Sul. Consigo duas crianças, uma menina de oito anos e menino de onze. Mais que depressa a mulher tratou de acomodar-se atrás de mim e de outros passageiros que estavam em pé, impedindo que o motorista a visse. As crianças não se importaram onde ficar. Pareceu uma atitude comum àquela família “fura tubo”. A mim também parece uma cena comum pois vejo “fura tubos” pelos dez cantos da cidade.
                E o motorista?
                Esse agiu como dizia minha avó. Olhos e ouvidos de mercador.
                Na mocidade de minha avó o mercador ia de casa em casa vender de tudo. Garantia até o impossível, inclusive trocar o produto por outro caso o comprador não ficasse satisfeito. Após uma compra surgia os defeitos e o mercador não dava ouvidos a reclamação e nem olhava os defeitos, convencendo na maioria das vezes o comprador a adquirir outro produto. Minha avó era preconceituosa e atribuía estigma de judeus e turcos a todos os mercadores e a todas as pessoas que fazem vistas grossas aos defeitos de suas ações e não escutam as reclamações aos serviços que prestam e concluía: são tudo farinha do mesmo saco.
                O motorista fechou as portas do ônibus e seguiu o trajeto.
                Falar a verdade é bom, pois quem fala a verdade não merece castigo. Qual é a moral dessa história? Eu não sei, mas estou convencido que:
                1º - A mulher é um ser humano empobrecido que não tem R$ 10,50 para pagar as três passagens;
                2º - se motoristas e cobradores obrigassem todos os “fura tubos” a sair dos ônibus, não cumpririam os horários pré-estabelecidos e seriam multados;
                3º - “fura tubos” é um programa alternativo de justiça social que existe no sistema de transporte coletivo, iniciativa dos usuários empobrecidos, pois outros programas oficiais são meras fantasias.
                4º - por fim, metade da idade da mulher  é mais ou menos o tempo que um grupo político governa Curitiba e o Estado do Paraná.
Fazem vinte anos que prometeram a emancipação econômica do pobre no Paraná.
                Eis a questão!
·         De uns tempos pra cá a cidade de Curitiba passou a ser dividida em regionais. Cada ano pode surgir uma nova regional. Quando escrevi o rascunho dessa crônica havia oito e agora são dez regionais.

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