O que é certo dizer?
É melhor roubar e não passar fome
ou passar fome e não roubar? Certamente o Chicó, personagem de Selton Mello, do
filme O Auto da Compadecida, diria que depende do tamanho da fome e da grandeza
do roubo, enquanto o Padre João, personagem de Rogério Cardoso no mesmo filme,
diria que tudo que acontece conosco é da vontade de Deus, inclusive a fome;
temos que aceitar as coisas como Deus manda e nunca se rebelar contra suas
ordens.
Em
Curitiba, a cada dia essa discussão ganha corpo. E não é nas academias ou nas
rodas de nobres, é no cotidiano, no vai e vem das pessoas e no contraste entre
as lutas de muitos pela sobrevivência e os esquemas de poucos pela manutenção
de privilégios.
Ainda
ontem uma mulher de trinta e seis anos de idade, “furou o tubo” entrando pela
porta traseira do ônibus biarticulado Circular Sul. Consigo duas crianças, uma
menina de oito anos e menino de onze. Mais que depressa a mulher tratou de
acomodar-se atrás de mim e de outros passageiros que estavam em pé, impedindo
que o motorista a visse. As crianças não se importaram onde ficar. Pareceu uma
atitude comum àquela família “fura tubo”. A mim também parece uma cena comum
pois vejo “fura tubos” pelos dez cantos da cidade.
E o
motorista?
Esse
agiu como dizia minha avó. Olhos e ouvidos de mercador.
Na
mocidade de minha avó o mercador ia de casa em casa vender de tudo. Garantia
até o impossível, inclusive trocar o produto por outro caso o comprador não
ficasse satisfeito. Após uma compra surgia os defeitos e o mercador não dava
ouvidos a reclamação e nem olhava os defeitos, convencendo na maioria das vezes
o comprador a adquirir outro produto. Minha avó era preconceituosa e atribuía
estigma de judeus e turcos a todos os mercadores e a todas as pessoas que fazem
vistas grossas aos defeitos de suas ações e não escutam as reclamações aos
serviços que prestam e concluía: são tudo farinha do mesmo saco.
O
motorista fechou as portas do ônibus e seguiu o trajeto.
Falar a
verdade é bom, pois quem fala a verdade não merece castigo. Qual é a moral
dessa história? Eu não sei, mas estou convencido que:
1º - A
mulher é um ser humano empobrecido que não tem R$ 10,50 para pagar as três
passagens;
2º - se
motoristas e cobradores obrigassem todos os “fura tubos” a sair dos ônibus, não
cumpririam os horários pré-estabelecidos e seriam multados;
3º -
“fura tubos” é um programa alternativo de justiça social que existe no sistema
de transporte coletivo, iniciativa dos usuários empobrecidos, pois outros
programas oficiais são meras fantasias.
4º -
por fim, metade da idade da mulher é
mais ou menos o tempo que um grupo político governa Curitiba e o Estado do
Paraná.
Fazem vinte anos que prometeram a
emancipação econômica do pobre no Paraná.
Eis a
questão!
·
De uns tempos pra cá a cidade de Curitiba passou
a ser dividida em regionais. Cada ano pode surgir uma nova regional. Quando
escrevi o rascunho dessa crônica havia oito e agora são dez regionais.
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